Venteira

Situada a Sul do município, do lado poente, constitui hoje uma das centralidades urbanas da Amadora, em pleno eixo viário da antiga Estrada Real (Rua Elias Garcia) e ferroviário Lisboa – Sintra.

São várias as opiniões acerca do vocábulo Venteira e quando isto acontece entra o uso e a tradição popular, forçando à analogia com o vento. Há quem defenda que o baptismo do antigo casal tem a ver com venta. Na verdade alguns dicionários definem a palavra venteira como sendo “peça de madeira que se coloca nas ventas do bezerro para que não mame” (de venta e sufixo eira).

Acresce a esta hipótese, que nos parece a mais provável, o facto de ao longo dos séculos aparecer grafada: Beenteira, Benteira, Venteyra, Ventieira, Vinteira. Em 1758 escrevia-se “Vinteyra”. Esta evolução fixou oficialmente o nome de Venteira.

Um documento de 1491, existente na Torre do Tombo, refere a Vinteira nos seguintes termos: “…Emprazamento em três vidas de uma herdade de pão na Vinteira, freguesia de Santa Maria de Benfica, termo de Lisboa, por 11 alqueires de trigo bom e limpo de pã e vassoura, anualmente. Senhorio: Igreja de Santa Cruz do Castelo”.

Existem, porém, certezas a garantirem ter sido habitada há milhares de anos como o provam os achados arqueológicos, a explicarem a existência de água puríssima e abundante, boa caça e microclima ameno, propícios ao povoamento da localidade.

Com a nacionalidade chegou o saloio à Venteira, de origem mourisca, escorraçado de Lisboa, homem talhado para lides agrícolas, mulheres fortes, cuja imagem destas criaturas não passou do século XIX. Também alguns judeus andaram por cá, havendo notícia de um deles, de nome Abrão Palaçano, (1497) pessoa notável e culta, com propriedades no lugar da “Padaria Grande”.

Seguiram-se as Ordens Religiosas, com os proprietários eclesiásticos a tomarem conta das terras, que foram sendo arrendadas a caseiros e, depois, vendidas a particulares. Uma notícia existente na Torre do Tombo diz-nos que em 1517 foi feito um emprazamento (cedência por contrato) em três vidas de umas terras no lugar da Vinteira pelo foro anual de 11 alqueires de trigo e 2 galinhas, ou 80 réis, sendo enfiteuta Pêro (Pedro) de Beja. Durante esse mesmo ano as terras serão vendidas ao mesmo Pêro pela Igreja de Santa Cruz do Castelo.

Com os particulares veio a apetência de gente rica da capital ao elegerem o sítio propício para veraneio e, em particular, para cura de determinadas doenças, onde os bons ares e as excelentes águas faziam “milagres” ao constarem das receitas e prontuários médicos da época. A existência, na então Avenida Amaral (hoje Avenida Santos Matos) no princípio do século XX (1908) do hotel Kneipp (Sebastião Kneipp célebre médico alemão) que nessa altura seria um espaço termal, confirma este local aprazível. Nesse sítio viria depois a residir o livreiro e escritor Delfim de Brito Guimarães, recordado num busto, da autoria de Laranjeira Santos, no Jardim Parque (1937) e a quem, depois, legou o nome (Parque Delfim Guimarães), uma das primeiras zonas verdes da Amadora e hoje um dos sítios de lazer mais procurados, onde novos e seniores podem ocupar os seus tempos.

A inauguração (1937) desta zona verde teve a presença do então Presidente da República, Óscar Carmona, conforme uma lápida existente neste recinto. Perto está a Rua 27 de Junho a confirmar esse evento. Os dois pinheiros existentes no parque homenageiam Cândido Nunes Pinheiro, autarca e militar, que, como vereador no município de Oeiras, foi um dos defensores dos interesses da Amadora e o maior impulsionador para a construção do recinto, que se manteve vedado até 1950.

No território da freguesia existiu também o Parque Castro Guimarães, em frente à Academia Militar.

O terramoto de 1755 e já antes as epidemias, sobretudo em Lisboa, originaram migrações para estes sítios, que pouco sofreram com os seus efeitos.

O comboio, já em finais do século XIX (1887) acabou, por outro lado, por trazer à Venteira gente burguesa e comerciantes endinheirados lisboetas. Com este meio de transporte chegaram também algumas indústrias, como a de espartilhos, na Avenida Santos Matos (de nome completo José dos Santos Matos) principal fundador desta fábrica levantada em 1895, razão da existência dos Recreios Desportivos perto do mesmo local (1912). A partir de 1914, já construído o salão de festas (ainda preservado) foram realizados diversos espectáculos. Nesse mesmo ano (1914) teve a honra de receber o 4.º Congresso Pedagógico.

Em frente existiu o animatógrafo (1910) que dava pelo nome de Cinema Amadora, mas muita gente vinda de Lisboa assistir aos espectáculos chamava-lhe o Cinema da Venteira. Nasceram nos Recreios Desportivos alguns campeões de hóquei em patins e nesse espaço patinou também a campeã Virgínia Aguiar.

Com o tempo, essas casas de veraneio deram lugar a residências fixas, com a urbanização a conquistar quintas e hortas, como foi o caso, entre outras, da casa do artista plástico Alfredo Roque Gameiro (1898), presentemente património camarário com finalidades culturais e Diogo Casais (esta já desaparecida), ambas construídas no Alto ou Rossio da Venteira. Também a de Aprígio Gomes (1905), no antigo Alto do Maduro, hoje Centro de Ciência Viva da Amadora, também património camarário.

Roque Gameiro, para além de ter deixado o nome a uma escola e constar na toponímia local tem no jardim da Venteira, próximo da sede da Junta um busto – escultura de Francisco Simões – com azulejos do pintor Artur Bual, erigido a 25 Abril de 1988. Também Aprígio Gomes doou o nome a uma escola. Artur Bual teve a sua oficina na freguesia, na Rua de Santo António. Parte dos azulejos da estação ferroviária, do lado esquerdo para quem vem de Lisboa são da sua lavra.

Quanto ao topónimo Alto do Maduro, que apenas ficou no ouvido das pessoas, admite-se ter tomado o nome do padre João Maduro que ali residia em 1757. Até 1975, esteve levantado neste sítio, na berma da estrada, perto da Academia Militar, um nicho em honra de Nossa Senhora dos Caminhos.

A Venteira presta também homenagem ao moleiro, com o moinho existente junto da Estrada Nacional 117, preservado para memória futura.

Partiu de residentes na Venteira a ideia de mudar o nome de Porcalhota para Amadora (1907). A Venteira foi uma das alternativas, mas a quinta da Amadora, onde se foi buscar o topónimo, também já fazia parte deste território, hoje freguesia.

Algumas dessas quintas sofrem mutações, como aconteceu com as do conde de Castro Guimarães, as de António Cardoso Lopes e as do conde de Tomar (Costa Cabral), terrenos onde acabaria por ser construído o aeródromo (1919-1938). Foi nestas que a aviação deu os primeiros passos, palco de subidas e descidas de aviões e festivais aéreos a encherem comboios de pessoas. A história da aviação ficou ligada a esta freguesia.

Esse espaço acabou depois por dar guarida a várias unidades militares, onde estiveram estacionados os regimentos de Infantaria 1 (1955) e Comandos (1975) e hoje o Comando de Apoio a outras unidades. A Academia Militar tem aqui um Destacamento (1951). O bairro dos oficiais nos mesmos terrenos marcou e marca uma época. A história militar está também ligada à freguesia desde tempos remotos, sabendo-se que foram realizadas no seu território várias manobras militares, uma delas em 1790, cujos exercícios foram presenciados pela rainha D. Maria I, o local foi o lugar de Sorães e do Burel, com dois mil tropas. Outros tiveram lugar quando esteve aqui estacionado o Batalhão de Engenhos.

A partir dos anos quarenta, a construção desenfreada originou construções maciças e, a partir deste quadro, migrações de gente, na sua maioria a trabalhar em Lisboa. Os bairros Janeiro (apelido de um taberneiro local) e do Burel, já mais tarde, cuja antiguidade vem de tempos remotos, são exemplos das grandes transformações por que passou a Venteira. No Burel existiu um afamado vinho “Serra D’aires” (1920), mas já muito antes eram tecidos nos seus teares as roupas de burel para frades e religiosas, de que o lugar geminado de Sorães (já extinto) deixou vestígios desta indústria artesanal. Já Leite de Vasconcelos, no Romanceiro Português, escreveu: …”Descalço vai pela neve, vestidinho de burel…” O sítio, depois casal, também aparece grafado “Burrel”, na Corografia do Padre Carvalho da Costa (1712)

Com o desaparecimento de muros e quintas, subiram os blocos habitacionais e, com isso, a densidade populacional de cerca de 20 mil pessoas.

A Venteira de hoje já pouco tem a ver com a Venteira de outros tempos, em relação ao que era, até nos mercados. O primeiro existente na Amadora nasceu em 1925 na Avenida Amaral (actual Santos Matos), neste existiu uma conhecida vendedeira de bananas com o apelido de “misse banana” e o segundo em 1940 na actual Avenida Gago Coutinho (já desaparecidos). Na década de oitenta a autarquia construiu o de Levante no Rossio da Venteira, ainda existente. Quanto a misses, a Venteira teve uma misse de Portugal, na década dos anos vinte, de nome Margarida Bastos. Representou o País no certame de Misse Mundo, na América do Norte.

As cooperativas dos anos dez e vinte do século passado estavam instaladas na Venteira.

Como freguesia (22.02.1980) foi e é detentora de um património histórico-cultural relevante. Dispôs e dispõe de diversas estruturas culturais, de ensino: a Aula Maternal 1901 e o Centro Republicano (1909), bem como as escolas Oliveira Martins e Alexandre Herculano (1910), estas duas últimas foram nos anos quarenta e vinte do século passado referenciadas em Lisboa como das mais aptas a administrarem o ensino. Também organizações desportivas (a Académica da Amadora, 1942, criada por estudantes da localidade). O futebol teve o seu campo na Venteira (1916) com o nome de campo de futebol dos Recreios Desportivos, em terrenos próximos da actual Igreja. O Clube tinha o nome de “Futebol da Amadora” (1916), onde depois ficaria o Estrela (1932), cuja sede esteve localizada na Rua Gomes Freire. Nessa casa viveu Raquel Roque Gameiro, artista plástica de qualidade.

Instituições sociais e religiosas, neste caso com destaque para a Igreja Paroquial (1959). A biblioteca da autarquia (10.06.1980) foi buscar o nome do escritor José Régio e o Centro Cultural ostenta o nome de Maria José Valério, artista nascida na Venteira. Na emblemática Avenida da República, artéria que quando da inauguração teve honras do ministro Brito Camacho (1911) recebe todos os anos a Feira do Livro, um dos certames culturais mais importantes da Amadora. O arruamento acolhe exposições de artistas locais e nacionais, bem como o espaço Internet destinado a quem quiser utilizá-lo.

No território encontra-se também a velha ponte filipina (1631) a ligar Queluz à Venteira, para dar passagem ao antigo pavilhão de caça (hoje Palácio de Queluz) de Manuel de Moura (conde de Figueira de Castelo Rodrigo) cujo cruzeiro, em frente a uma das portas desse antigo espaço, ostenta uma lápida em pedra a dar conta de ter sido “mandada fazer pelo Senado de Lisboa à custa do real do povo”. A ponte, sobre a ribeira da Amadora (ou de Santa Filomena, ou mesmo rio Janeiro) atravessa, já canalizada, uma boa parte da freguesia, juntando-se, perto desta ponte, já a céu aberto, ao riacho de Carenque e, correndo até Queluz, formam aqui o rio Jamor indo desaguar ao Tejo.

O Aqueduto da Gargantada, construído no século XIX, para levar água ao palácio de Queluz, rasga uma boa parte da freguesia, infelizmente mutilado numa parte da Rua Elias Garcia, passa junto ao Parque Temático do Lido, nome retirado do cine teatro ali existente (1966).

A todo este património da freguesia, há que acrescentar o cemitério municipal a remontar a 1929, legado de um opulento lavrador da localidade de nome Frederico Cannas, bem como as duas farmácias, das mais antigas do Pais, na Rua Elias Garcia desde 1905 e 1908, quando a palavra ainda escrevia pharmacia. No “Mistério da Estrada de Sintra” (1870) Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão fazem referência a uma farmácia existente nestes sítios, cuja localização não foi possível apurar.

Numa das farmácias, a Campos (1905), propriedade de Raul de Campos Palermo nasceu praticamente a Junta de Freguesia da Amadora, sendo o farmacêutico o seu primeiro autarca (1917).

A “Cavaca” remonta a 1908 e ambas ainda existem na freguesia.

A Rádio Marconi (1926) teve na freguesia um dos seus primeiros emissores, situado na Serra de Carnaxide. Marconi é hoje o nome de uma urbanização levantada perto.

 

Um dos primeiros jornais existentes na Amadora nasceu na freguesia com o título “A Venteira” (1921).